segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Alcoólatras mais que costumazes 3


Marcos

- “Qual seu nome mesmo?” Eu já estava começando a ficar irritado com essa pergunta.

- Matheus. E o do senhor?

- “Marcos. Então, Matheus, você tem família?

- Tenho sim.

- “Então, rapaz, do que você gosta?” Faço cara de desentendido.

- “Do que você gosta uai, uma macoinha, pó, pedra...”

- Não, eu não mexo com isso não.

- “Que isso rapaz, não precisa esconder não, sou seu amigo! Mas tudo bem, se não quer falar não precisa, mas você consegue sustentar seu vício por você mesmo, sem precisar da sua família?”

- Não seu Marcos, não faço isso não!

- “Já vi muita família acabar pra ajudar rapaz assim que nem você. Vou te dar um conselho, bebe sua cervejinha, fuma sua macoinha, eu até tenho um pouquinho aqui se você quiser... Dizendo isso ele vai enfiando a mão no bolso!”

- Não, não. Não quero não, Marcos.

- Então, mas bebe e fuma em casa, sozinho, não mistura com bando não, depois você não consegue sair. Há muitos anos que eu estou no trecho, na rua. Se você entrar com um bando acabou!”

- Eu não faço isso, seu Marcos, só tomo uma cervejinha.

Me olha desconfiado. De minuto em minuto é possível escutar a voz do China cantando rap: “eu bebo sim, e to vivendo, tem gente que não bebe e tá morrendo, PAZ!” ou do Tião Carreiro dando sermão “lealdade, honestidade e humildade”, olho para trás e o vejo virando um copo inteiro de pinga, ao notar meu olhar ele rapidamente se desfaz do copo jogando-o de lado. Mas voltemos a conversa com nosso sábio amigo Marcos, que jurava de pés juntos que eu usava drogas:

- “Se você conseguir sustentar seu vício sozinho tá bom. Já vi muita coisa nessa vida meu filho”. Pega uma caixa de palito de fósforos e os espalha no banco. “Se um traficante está aqui”, me aponta um dos palitos, “e te oferece duzentos reais pra levar a droga que está aqui pra essa pessoa aqui”, me aponta outros dois palitos, “você não aceita, ninguém faz isso por menos de quinhentos reais, mas aí ele te oferece trezentos, até que é pertinho, você aceita. Aí chega a veraneio, de quem é a droga? É sua! Tá na sua mão! Você não pode entregar os irmão!” Ele me encara e percebe meu olhar de espantado.

- “É rapaz, não é só alegria não!”. Guarda os palitos na caixa, pega uma pedra e começa a rabiscar, faz um quadrado e o divide em quatro. “O que você faz com isso?” Não entendi direito, será que era um jogo? Ele porém não me deu tempo de pensar. “De cá e de cá ficam os irmãos”, diz ele apontando dois quadrados, aponta os dois restantes e conta, “no outro ficam os vagabundos, só estuprador filho da p#t*, e no outro fica a cozinha e o campo de futebol, só isso, aí tem vigia aqui, aqui, aqui e aqui” descreve apontando para os cantos do quadrado, “o que você faz aí? Não faz nada! Já estive aí, sei tudo de penitenciária, nunca mais!”, se levanta gesticulando meio indignado, juro que não falei nada pra ele ficar assim, “mas se você quiser continuar o problema é seu!”, tomo mais um grande gole do copo dele e voltamos para o grupo.

Drézão é o primeiro a puxar assunto:

- “Desculpa irmãozinho, mas qual seu nome mesmo?”

- É MATHEUS P#RR*!!!

Todos riem de mim e eu rio junto. China decide mostrar sua habilidades.

- “Eu já trabalhei no circo, olha só, vou dar um mortal pra trás.” Marcos porém é responsável:

- “Deixa de ser besta, você já tá tonto, vai cair.” Haxixe se aproxima e passa a mão na cintura de Marcos, “deixa ele seu bobo”, ele se afasta, “já falei que não gosto de brincadeira de mão, saia daqui!”, caímos na risada.

China enverga as costas até encostar a cabeça no chão, coloca as mãos ao lado da cabeça e joga as pernas, elas se erguem até quase fazerem um ângulo de 90 graus, permanece um segundo com elas no ar e despenca de lado, todos, inclusive ele no chão, riem até quase chorar.

Os três copos que restaram vão circulando, alguns ao tomar deixam escorrer pela beirada da boca, já não tenho nojo. Minha visão começa a ficar embaçada, melhor ir embora. - Tchau gente, tenho que ir, até mais.

Todos vêm ao meu encontro e um a um me abraçam, China e Haxixe são os que têm o cheiro mais forte, provavelmente muitos dias sem banho, quase tive ânsia, porém não os evitei. Drézão me acompanha tentando me convencer a comprar o tênis, as passar perto do senhor deitado sob as cobertas escuto um pedido, “Drézão, pega água pra mim, por favor”, o rapaz de Patrocínio Paulista se esquece do tênis e começa a me falar do indigente, “isso é que me dá dó cara, ele vai morrer aí, não tá conseguindo nem levantar mais”, já não estou com muita paciência: - Então busca logo a água pro homem! Ele vai correndo, aproveito para continuar meu caminho.

Ao virar a esquina ainda pude ouvir o China cantando rap, “Matheus é nosso irmão na humildade, eu bebo sim e tô vivendo, tem gente que não bebe e está morrendo, fé em Deus que ele é justo...”

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Alcoólatras mais que costumazes 2


Continuando o último post...

China aparentava ter cerca de quarenta anos, media pouco mais de metro e meio de altura, usava boné de algum supermercado na altura dos olhos, camiseta cavada tamanho G que lhe batia no meio das coxas e um bermudão que também não era seu número e fazia as vezes de calça, já que encostava nos seus tênis que um dia haviam sido brancos e agora estavam gastos e marrons.


Chegou um homem magro e ao mesmo tempo forte, usava uma camisa branca com escritos de alguma quermesse para dentro da calça jeans desbotada e um cinto que parecia ser de couro trançado. Buscava falar com altivez e era notável seu esforço de tentar ao máximo utilizar o português de maneira correta.


- Bom dia companheiros, acabei de chegar do trabalho. Olhou para mim e estranhou, perguntou meu nome e se eu morava no bairro, novamente não consegui responder toda a questão.

- Matheus, eu moro...

- Ele pagou uma pinga pra nóis, o Haxixe foi lá buscar e vai trazer o troco pra ele!


O recém chegado sorriu, seus dentes, assim como seus olhos, eram amarelados e sem brilho. Enquanto isso China pegou dois copos plásticos vazios e começou a jogar para cima numa tentativa de malabarismos, amassou os dois e causou a ira de um senhor negro que estava em silêncio até então, “pára com isso China, depois não tem copo pra gente beber, tomar no bico não dá, palhaçada!” China não deu bola, continuou tentando.


- “Gostou dos meninos aqui?” Disse o homem que acabara de chegar. “Eles estão aqui todos os dias, são pessoas de bem, todos humildes, gosto dos rapazes, não bebo, mas gosto da companhia, todos muitos humildes. Fico aqui com eles e controlo pra não ter algazarra, sempre digo que só existem três coisas importantes: lealdade, honestidade e humildade. Trabalho com motosserra e à noite de segurança (olhava carros na rua). Eu canto sabia? Toco vários instrumentos na igreja e canto...” Haxixe voltou com meu troco e já entrou na conversa:


- “É verdade, o Tião Carreiro aí canta. Canta aquela da cruz na parede pra ele ver!” Ao ouvir isso a sombra de um sorriso orgulhoso passou em seu rosto antes de responder:

- “Sim, eles me chamam de Tião Carreiro porque eu canto que nem ele: Uma mente pura e positiva para entender a luz da verdade; No quarto onde eu me encontro mandei colocar na parede uma CRUZ; E nela de braços abertos existe um homem chamado JEEEESSSUUUUSSS!!!!!” Não há dúvidas de que o homem era afinado, além disso cantava alto, pude escutar o resmungo de algum transeunte irritado. Drézão, um rapaz que aparentava 30 anos e cujos olhos semicerrados e sorriso permanente denunciavam seu já avançado estado de embriaguez deu um grito:


- “ÔÔÔ HAXIXE, devolve o troco do menino, ninguém aqui é ladrão, somos humildes, mas a gente não pega nada que é dos outros não!”


Peguei o dinheiro. Tião Carreiro que tinha se intitulado aquele que coloca ordem no pedaço não deixou passar a oportunidade de se colocar:


- “Quanto tem aí?”

- Três e cinqüenta. Respondi.

- “Tá certinho então, aqui somos todos humildes, quem olha por nós é nosso senhor”.


Noto que de alguma maneira que não consegui perceber a garrafa pet que estava na metade quando eu cheguei já estava vazia. Drézão pega a pinga nova e distribui nos quatro únicos copos, deixando a mostra uma grande tatuagem tribal no braço direito, me oferece a aguardente, agradeço mas não aceito, ele se aproxima e começa a conversar comigo.


- “Meu amigo, eu não sou daqui não, sou de Patrocínio Paulista, tenho mulher e filho lá, não sou igual eles aqui, não sou da rua, fico uns dias mas depois preciso ir embora, minha mulher deve estar doida atrás de mim! Tenho um tênis novinho aqui, HAXIXE! Pega o tênis aí no sol pra mim, então, qual seu nome mesmo?” Matheus, respondo. “Então Matheus, te vendo ele por dois e cinqüenta, é só o preço da passagem preu ir embora, me dá essa força aí irmão!”


Olho o tênis, realmente é bonito, branco e vermelho, sem marca.


- Desculpa, mas não é meu número.

- “Firmeza irmão, não tem problema, quer um gole?”


Aceito dessa vez, desce queimando, tudo bem que por um e cinqüenta eu não esperava a melhor pinga do mundo, mas aquilo estava mais para álcool etílico do que pra pinga, talvez fosse mesmo. Todos que passam na pracinha ficam me olhando como se eu fosse um estrangeiro. Alguns comentam entre si e apontam, tomo outro trago antes de devolver o copo.


O senhor negro e calado se levanta e fica me olhando, como não dei sinais de ir embora ele me chamou. – “Vem cá, deixa eu conversar com você um pouquinho”. Ele tinha os cabelos curtos e cheios de fios brancos, usava um sobretudo de lã preto e comprido que provavelmente era feminino. Sentamos em outro banco de costas para seus companheiros, me ofereceu e aceitei mais um trago.


Continua...

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Alcoólatras mais que costumazes

Fico muito feliz de ver que várias pessoas sentiram minha falta por aqui, felizmente acabei meu primeiro tcc e o próximo é só para o ano que vem. Ainda não estou no pique de escrever novos posts, mas por enquanto vou postar uma reportagem que fiz para o meu tcc. Procurei escrever no estilo gonzo e ser literário, fugindo do jornalismo chato e quadrado. O título da reportagem é o mesmo deste post e vou publicar em três ou quatro posts pra leitura não ficar muito cansativa, espero que gostem!


Era um dia nublado e úmido, durante a noite a chuva havia encharcado as ruas e telhados e calçadas, de forma que era necessário andar no canto da calçada para não tomar um banho de água suja dos carros que passavam atrasados para chegar à algum lugar chato onde fariam coisas que não queriam por um valor injusto.


Cheguei à pracinha para fazer a reportagem por volta das nove e meia da manhã. Sob uma das árvores havia um amontoado de folhas e galhos secos que poderiam alimentar uma bela fogueira em um dia de São João; ao lado havia um amontoado de cobertores de lã, daqueles cinzas que as avós costumam ter e só utilizam quando têm muita visita em casa e os edredons bonitinhos não são suficientes.


De repente, o amontoado de cobertores se mexe; paro e observo. Com dificuldade um senhor de cabelo e barba brancos e mal feitos joga de lado uma parte dos cobertores e libera sua cabeça para o mundo. Passara a noite ali e se escondera da chuva sob os cobertores, por causa do aguaçal o peso era grande, mais se esgueirando para fora do que tentando se livrar de suas pesadas mantas ele escapa. Com muito esforço Maguin (como vim a saber) se levantou, era perceptível que tinha sérios problemas nas articulações, movimentava-se quase como um robô enferrujado. Fazia de tudo para não ter que dobrar os joelhos, andava girando o corpo, primeiro da direita para a esquerda, depois da direita para a esquerda. Fez isso até chegar a um grupo de três homens sentados em um banco da praça. Um dos homens lhe ofereceu um copo descartável com pinga. Sem trocarem nenhuma palavra Maguin, de um só gole, bebeu o que restava no copo, devolveu o copo e ainda sem falar nada voltou andando com a mesma dificuldade para sua cama, onde se cobriu, se molhou e dormiu.


Mais um homem se juntou ao grupo. Eu não sabia muito bem como me aproximar, fui andando vagarosamente como se estivesse apenas passando. A sorte me deu empurrãozinho.


- “Ei rapaz, dá uma intera aí pra gente comprar uma pinga, essa aqui já está acabando! Na verdade a garrafa de refrigerante dois litros estava na metade.


- É, pode ser cinqüenta centavos, a gente bebe mas a gente fala, a gente fica aqui de boa e não atrapalha ninguém.”


Aquela era minha chance, peguei a carteira, dei cinco reais pra um deles e pedi pra voltar com o troco, a felicidade deles ao ver que tinham ganhado mais um trago era grande, sentei-me.


- “Ô China, faz um rap aí para o rapaz, você gosta de rap? Qual seu nome?”


- Meu nome é Matheus. – não consegui responder à pergunta sobre meus gostos musicais. China me interrompeu pra cantar seu rap.


- “Um muleque gente boa, está com nóis irmão, chegou na humildade e ajudou, o que importa é Jesus Cristo e humildade, que os bens material daqui nóis num leva, paz irmão, humildade e Deus no coração. Eu bebo sim, e tô vivendo, tem gente que não bebe e tá morrendo, é isso aí irmão, na humildade!”


Continua depois de amanhã...