domingo, 16 de maio de 2010

Tempos modernos

João estava na pior.

Acabara de ser despedido, o aluguel estava para vencer e tinha várias contas atrasadas.

Não havia solução, e o que não tem solução solucionado está.

Curtia uma bela de uma fossa quando chegaram dois amigos:

- Vai ter uma festa à fantasia maravilhosa no centro hoje, vamos sair dessa deprê!
- Você está convocado, não quero nem saber se você está falido, teu ingresso pra festa nós pagamos, você só tem que se virar com o resto.

Se estivesse em sã consciência João simplesmente ignoraria a insistência deles, o problema é que já estava há mais de uma semana curtindo blues e vivendo de miojo cru, seu cérebro mal respondia aos estímulos:

- Vamos então!

Levantou-se do sofá que já havia afundado com seu peso tantos dias ali prostrado e foi alugar uma fantasia. A mais barata que havia sobrado na loja era a de Charles Chaplin, como há dias não fazia a barba, daria pra fazer o bigodinho bem idêntico. O dinheiro de João era tão pouco que mal deu pra fantasia, sobrou o pouco do ônibus e pra UMA cerveja, mas estava feliz:

- Já está quase tudo ferrado mesmo, vamos mandar o resto às favas!

Arrumou-se como se fosse sua última festa, caprichou no bigode e a fantasia ficou perfeita, não tinha a mínima idéia do que seria sua vida dali pra frente, mas decidiu que não se importaria com isso, tiraria o máximo que podia daquele momento e que Deus o ajudasse.

A festa estava lotada, porém João dançou como se ninguém estivesse olhando, sorriu como se o mundo fosse perfeito, cantou como se fosse o Ney Matogrosso e bebeu tudo o que podia, inclusive da bebida dos amigos e com dinheiro da passagem de volta pra casa.

Acordou na sarjeta com o sol da manhã batendo em sua cara. Sua roupa estava suja, rasgada e amarrotada, não tinha nada nos bolsos. Resolveu andar a esmo, não tinha mesmo para onde ir, seu apartamento não seria seu dali a uma semana.

Parou em uma praça, o movimento do dia apenas começava. Sentou-se em um banco e colocou o chapéu do lado, ficou olhando as pessoas irem e virem.

De repente um homem veio em sua direção, colocou uma nota de dois reais em seu chapéu e lhe disse:

- Bom dia Chaplin!

João começou a rir, o dia estava lindo e o destino lhe dera uma nova vida.

Nunca devolveu a fantasia. Hoje em dia João pode ser encontrado fazendo performances de Charles Chaplin no centro de São Paulo, está casado e ano que vem pretende ter seu primeiro filho.

8 comentários:

  1. Como quem conta uma estória de encantar... A festa do acreditar!

    Um beijo

    ResponderExcluir
  2. Cara eu me surpreendi com seu texto!
    Achei q seria algo de brincadeira e foi uma estória lindíssima!
    Meus parabéns!
    Um dos seus melhores!

    Abraços

    PS: Sim, me identifiquei com o João, apenas fui parar em outra cidade...

    ResponderExcluir
  3. E de repente uma fantasia dá um sentido à vida de um homem triste...
    Um João "ninguém" (literalmente,tadinho...rsrs) conhece a alegria de viver por meio de um imprevisto!

    Amei!

    Adoro finais felizes! =)

    Bjinhos***

    ResponderExcluir
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  5. Que interessante Máh, nossa adorei.
    Gde Charles Chaplin ... =)
    Cada texto melhor que o outro menino.
    Parabéns pela criatividade ... ♥

    ResponderExcluir
  6. QUEM casou com esse cara louco? huhuahuauha
    céus.

    ResponderExcluir
  7. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  8. Em conceito criatividade, tu es mil!
    E em vários outros conceitos também! :D

    Foste muito bem-aventurado na escolha da fantasia..
    Chaplin foi um grande homem, e histórias de mudança de vida como essas podem ser raras, mas cada pessoa que lê as frases dele, que vê o quanto a alma dele era nobre, tem uma mudança espiritual enorme, e isso basta.. está acima de qualquer coisa, concordas?

    Em certa parte da história me lembrei do poema Construção de Vinícius de Moraes, cantado lindamente por Chico Buarque..
    Para ser mais exata, nesta: 'A festa estava lotada, porém João dançou como se ninguém estivesse olhando, sorriu como se o mundo fosse perfeito, cantou como se fosse o Ney Matogrosso e bebeu tudo o que podia, inclusive da bebida dos amigos e com dinheiro da passagem de volta pra casa.'
    Talvez não haja ligação, mas me lembrou e muito!

    Continua escrevendo e me mandando.. estarás me agradando muito! :D
    Beijos e fica com Deus!

    ResponderExcluir